A Prisão Preventiva após o Pacote Anticrime

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Prisão Preventiva Após o Pacote Anticrime: Prazos, Requisitos, Alterações, Revisão da Prisão Preventiva a cada 90 dias (arts. 311 a 316 do CPP)
A prisão preventiva foi um tema muito alterado pelo denominado Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), então vamos aqui trazer um artigo completo sobre a prisão preventiva, mas que logicamente não se destina a exaurir a matéria.
No Código de Processo Penal, do artigo 311 ao artigo 316 são os dispositivos que falam da prisão preventiva.
Começaremos, então, com o artigo 311, o qual trouxe uma das maiores alterações do Pacote Anticrime.
A Prisão Preventiva e o Sistema Acusatório
“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Portanto, a primeira conclusão é que somente o juiz poderá decretar a prisão preventiva. Diferentemente da prisão em flagrante, que não precisa de ordem judicial. Nessa, a polícia deverá, e qualquer do povo poderá, prender alguém em flagrante, sem problema nenhum. Não depende de ordem judicial.
Já a prisão preventiva, não. Depende de ordem judicial que deve ser provocada. Mais do que isso, depende de ordem judicial fundamentada e motivada, como veremos adiante.
Conforme o art. 311, a prisão preventiva será cabível, a requerimento do Ministério Público, do querelante – em caso de ação penal privada – ou do assistente da acusação, ou por representação da autoridade policial.
Hoje, a partir do Pacote Anticrime, não se admite prisão preventiva de ofício.
No sistema acusatório, cada um tem seu papel no processo. Tem aquele que acusa, aquele que defende e aquele que julga.
Prisão preventiva, no sistema acusatório, somente após requerimento.
Porém, o Pacote Anticrime se esqueceu de algumas legislações penais especiais, como a Lei Maria da Penha, que contém um dispositivo que autoriza a decretação da prisão preventiva de ofício.
A partir disso, surgiram duas interpretações doutrinárias.
A primeira corrente, que possivelmente cairá em desuso, entende que, por ser lei especial, ainda seria possível a decretação pelo juiz da prisão preventiva de ofício.
Além disso, percebe-se que a Lei Maria da Penha não inovou no tocante à prisão preventiva e, portanto, não seria lei especial. Sob esse aspecto, deveria prevalecer a lei mais nova, o Pacote Anticrime.
Ainda assim, cabe destacar que, hoje, predomina o Sistema Acusatório (art. 3º-A do Código de Processo Penal), de modo que uma prisão preventiva de ofício seria flagrante afronta ao sistema vigente. Assim, essa deverá ser corrente majoritária.
Veja também:

Fundamentos da Prisão Preventiva
O próximo artigo a ser analisado é artigo 312, que traz os fundamentos para a decretação da prisão preventiva:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado“. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Ou seja, a liberdade do acusado é um problema para a paz social.
A título de exemplo, o criminoso que está processado ou investigado criminalmente, e continua praticando crimes.
Nesse caso, em nome da pacificação social, como garantia da ordem pública, ele poderá ser preso preventivamente.
Como garantia da ordem econômica, seria em relação aos crimes contra as relações econômicas, porque geralmente ocorrem contra uma coletividade. Nos crimes dessa natureza, haverá um risco à ordem econômica, porque o acusado poderá continuar praticando crimes dessa natureza.
Prosseguindo, mas o que seria conveniência da instrução criminal?
Esse ponto é muito criticado pela doutrina porque o correto não seria conveniência, mas sim necessidade da instrução criminal.
Instrução criminal é a fase de produção de provas no processo. E quando se fala de conveniência dessa fase, o correto seria necessidade. Ou seja, naquelas hipóteses em que o acusado começa a destruir provas, porque ele sabe que está sendo processado.
Começa, por exemplo, a intimidar ou a ameaçar testemunhas, a destruir arquivos, provas e evidências dos crimes.
Por fim, a prisão preventiva também cabe para assegurar a aplicação da lei penal, quando, durante a persecução penal, ficar demonstrado que o acusado em liberdade poderá gerar um risco à futura aplicação da lei penal, caso ele venha a ser condenado.
A título de exemplo, poderíamos falar do acusado que não tenha endereço fixo ou que tenha perdido o visto no Brasil e poderá, a qualquer tempo, sumir do País.
Prova da Existência do Crime e Indícios Suficientes de Autoria
Prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria também são requisitos para a prisão preventiva.
Ou, simplificando, o periculum libertatis, que significa o perigo da liberdade do acusado. E fumus comissi delicti, ou seja, fortes indícios que o crime foi praticado por aquela pessoa.
Com a conjugação disso, perigo da liberdade do criminoso e indícios suficientes de autoria, já é possível a decretação da prisão preventiva.
E o art. 312 continua. O parágrafo primeiro desse artigo prevê que a prisão preventiva também poderá ser decretada, caso haja o descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
Contemporaneidade da Prisão Preventiva
A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Isso é para evitar que o juiz decrete a prisão preventiva com base no passado do criminoso.
Muitas vezes o acusado já cometeu crimes graves no passado, porém, anos depois, começa a praticar crimes mais leves. Nesse caso, o juiz não poderá decretar a prisão preventiva decretada com base no passado.
Portanto, para a decretação da prisão preventiva, devem haver fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a segregação cautelar. Nunca com base no passado.
Prisão Preventiva: Casos nos quais se admite
No art. 313, o legislador trouxe uma lista de situações em que será admitida a decretação da prisão preventiva.
“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV – (revogado).
Parágrafo Único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia”. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Veja que claramente os crimes culposos não admitem a prisão preventiva.
Também é admitida a prisão preventiva para quem anda sem documento de identidade civil, ou quando esta não fornecer elementos para esclarecê-la. Nesse caso, imediatamente após a identificação, deverá ser posta em liberdade.
Vale, ainda, destacar que o parágrafo segundo desse artigo, é outro ponto importantíssimo.
Esse parágrafo segundo, que foi acrescentado pelo Pacote Anticrime, dispõe que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação do cumprimento de pena. Ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.
Portanto, hoje, não vigora no País a prisão em segunda instância. Desse modo, o acusado que for condenado em segundo grau de jurisdição, não poderá iniciar o cumprimento antecipado da pena.
Assim, a prisão preventiva não se destina à execução provisória da pena.
Claro, esse entendimento poderá ser revisto pelo STF, ou mediante emenda constitucional.
Cabe Prisão Preventiva na Legítima Defesa?
Não, em nenhum caso será decretada a prisão preventiva se o juiz verificar pelas provas constantes nos autos ter o agente praticado o fato em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
É o que dispõe o art. 314 do Código de Processo Penal.
Outro importantíssimo que o Pacote Anticrime trouxe foi a necessidade que a decisão judicial que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada, sob pena de nulidade e a prisão tornar-se ilegal, cabendo até mesmo a impetração de habeas corpus nesse caso.
Desse modo, o juiz não pode decretar a prisão preventiva meramente pela gravidade abstrata do crime.
Lembrando, também, que o juiz não pode decretar a prisão preventiva com base no passado do investigado ou acusado. É necessária a contemporaneidade de fatos novos.
A necessidade de fundamentação e motivação da decisão que decretar a prisão preventiva ganhou especial contorno após a Lei nº 13.964/2019.
Veja, inclusive, que o art. 314, § 2º do Código de Processo Penal traz as situações nas quais não se considera motivada qualquer decisão judicial:
“§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Portanto, na fundamentação, o juiz deverá dizer por que determinado dispositivo legal se aplica ao caso concreto, e não meramente citar artigo de lei.
Revisão da prisão preventiva a cada 90 dias
O art. 316 do CPP finaliza o capítulo referente à prisão preventiva. Entretanto, trouxe uma previsão importantíssima.
É sabido que a prisão preventiva não possui prazo. Porém, o Código de Processo Penal trouxe a exigência de revisão da prisão preventiva a cada 90 dias.
Conforme o art. 316, caput, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, revogar a prisão preventiva. Mas decretá-la somente mediante requerimento.
E o parágrafo único prevê: “Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Esse dispositivo obriga o juiz a ter maior atenção a cada caso concreto. O magistrado não poderá simplesmente decretar uma prisão preventiva e esquecer daquele caso. Ele terá que reanalisar a necessidade da segregação cautelar a cada 90 dias.
Isso certamente impõe maior respeito às garantias e liberdades fundamentais do acusado.
Entretanto, deve-se ressaltar que não há prazo para a prisão preventiva. O que é existe é a exigência por parte do juiz que a decretou de revisão da necessidade da prisão preventiva a cada 90 dias.
Conclusão
O Pacote Anticrime trouxe inúmeras alterações no capítulo da prisão preventiva. Porém, ainda estamos longe de combater tantas arbitrariedades e desrespeito às garantias fundamentais de um investigado ou acusado.
A necessidade de fundamentação e motivação da decisão que decretar a prisão preventiva reforça a previsão constitucional de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX da Constituição Federal).
Por outro lado, a exigência de revisão da prisão preventiva a cada 90 dias também traz maior garantias aos presos preventivos.
Porém, no nosso País, ainda estamos longes de um processo penal que verdadeiramente respeite os direitos fundamentais de qualquer acusado.
Essa é a luta do advogado criminalista, que busca apenas – se não for pedir muito – o direito a um julgamento justo.
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